A evolução cultural do homem

Evolução

O meio exterior e os hábitos provocam mudanças no ser, tudo o que existe sobre a terra esta sujeito a adaptação; ou seja uma mudança numa coisa, modifica outra, e os seres vivos são muito adaptáveis, e a adaptação leva a variação. Também a descendência genética é outro fator que leva a adaptação, acredita na idéia de progresso, melhoria e evolução, exceto aqueles casos onde o acúmulo de adaptações acarretou o desaparecimento de muitas espécies.

A luta pela sobrevivência e o medo do desconhecido são incessante, a morte está sempre pronta e só sobrevivem e multiplicam-se os seres fortes e sãos. A sobrevivência do homem depende mais do aprendizado do que do instinto. As ações consideradas irracionais semelhantes às orientações e reações de abelhas, aranhas e outros insetos as quais se dá o nome de instinto são inatas, herdadas, nascem com o indivíduo.

Símbolos, informações aprendidas e passadas de pai para filho caracterizam a cultura ou seja o saber e o poder que modificam a natureza. Onde há homem há cultura, há linguagem desenvolvida essa é a essência do humano.

Em primatas, a quantidade de informação não-herdada é grande, principalmente em espécies evoluídas, como o homem. As informações são transmitidas de uma geração para outra através do ensino e da aprendizagem.
Entre essas informações estão as que contamos no poema do macaco: a caça de térmitas (tipo de cupim) feita por chimpanzés; a lavagem das batatas na água do mar (será que eles estão temperando o alimento?) feita pelos macacos japoneses (Macaca). Esses e outros tipos de macaco, como o macaco-prego (Cebus), do Brasil, também usam pedras para quebrar sementes.

Muitos antropólogos já pensaram em distinguir o homem dos animais por sua habilidade (manual) e capacidade de fabricar objetos, contudo essa distinção não é tão exata, o que se pode ver quando contemplamos as construções animais sejam vespas, aves ou castores. Contudo o repertório de técnicas e habilidades na espécie humana ainda é o maior conhecido.

Cozinhar alimentos é uma das grandes diferenças entre homens e animais, entre o mundo da natureza e o mundo da cultura, transmitido de pai para filho. Quem disse isso foi o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss. Ele estudou comunidades indígenas, inclusive brasileiras.

Lévi-Strauss observa que o poder da cultura é uma conseqüência do uso da linguagem e símbolos. Ele estudou cuidadosamente o conhecimento dos indígenas e disse que é tão rico e variado como de qualquer outra cultura, porém diferem em especificidades.

A Antropologia é o estudo do homem como ser biológico, social e cultural. Sendo cada uma destas dimensões por si só muito ampla, o conhecimento antropológico geralmente é organizado em áreas que indicam uma escolha prévia de certos aspectos a serem privilegiados como a “Antropologia Física ou Biológica” (aspectos genéticos e biológicos do homem), “Antropologia Social” (organização social e política, parentesco, instituições sociais…), “Antropologia Cultural” (sistemas simbólicos, religião, comportamento…) e “Arqueologia” (estuda a existência e a cultura de grupos humanos desaparecidos através dos vestígios materiais, entre outros). Além disso podemos utilizar termos como Antropologia, Etnologia e Etnografia para distinguir diferentes níveis de análise ou tradições acadêmicas.

A etnografia corresponde aos primeiros estágios da pesquisa: observação e descrição, trabalho de campo”. A etnologia, com relação à etnografia, seria “um primeiro passo em direção à síntese e a antropologia uma segunda e última etapa da síntese, tomando por base as conclusões da etnografia e da etnologia.

Qualquer que seja a definição adotada é possível entender a antropologia como uma forma de conhecimento sobre a diversidade cultural, isto é, a busca de respostas para entendermos o que somos a partir do espelho fornecido pelo “Outro”; uma maneira de se situar na fronteira de vários mundos sociais e culturais, abrindo janelas entre eles, através das quais podemos alargar nossas possibilidades de sentir, agir e refletir sobre o que, afinal de contas, nos torna seres singulares, humanos.

A Busca da Origem Humana

Desde os tempos remotos que o homem fica admirado com os mistérios e a realidade que o cercam, desde a natureza até o firmamento por que é da natureza humana a curiosidade. Os mistérios a ciência aos poucos vem decifrando, ciência esta que o próprio homem criou.

Analisar a terra, o sol, observar como são precisos os seus movimentos, admirar os variados formatos que os minerais adquirem. Também a força da natureza, com os seus fenômenos de chuva, vento e a criação das plantas, as robustas árvores que produzem madeiras resistentes e raízes fortes que as seguram ao solo. O reino animal fabuloso, onde muitos animais minúsculos só podem ser observados através de microscópios. Incrível não é Deus dar possibilidade para a águia voar, mas sim colocar dentro de uma colméia de abelhas tanta organização e dar a elas capacidade de produzir algo tão saboroso como o mel.

E num cenário dinâmico o homem vê a sua vida desenvolver-se, indo ao encontro implacável da morte, mas a vida continua e através de gerações em gerações o homem vai cultuando suas crenças, lendas e ídolos, e o jogo da existência vai passando por circunstâncias adversas, mas sempre com o objetivo de atingir e vencer os obstáculos.

Apesar de toda a inteligência humana, o desenvolvimento que o homem vem dando as ciências, mesmo assim não consegue compreender quem iniciou tudo. A religião ocidental fala em Adão e Eva, mas cada povo possui a sua história ou lenda. Os índios da tribo do Alto Xingu, por exemplo, contam um mito onde um homem solitário chamado Mavutsinim fez uma concha virar mulher e com ela teve um filho homem do qual todos na tribo acreditam serem netos.

Cada povo tem a sua maneira de explicar a sua origem, de forma mítica, sobrenatural ou religiosa. Alguns povos adotaram uma cosmovisão teocêntrica, outros antropocêntrica. Apartir daí o homem passou a ver a história de forma mais humana, natural e não como antes, divina, onde os designos de Deus eram o que contavam. A princípio esta atitude do homem foi vista como rebeldia pelos princípios da religião, mas o movimento intelectual nascido com a Renascença e existindo até hoje fez com que o homem se identificasse cada vez mais consigo mesmo.

O Renascimento

Iniciou-se na Itália, alcançando a Inglaterra e Portugal e finalmente a Espanha em seguida outros países; este reflorescimento nas artes e nas letras refletia decisivamente na situação econômica daquele tempo e a inovação das letras e a interpretação dos textos antigos denominou-se Humanismo, por basear-se essencialmente, no estudo do homem, uma vez que os clássicos se preocupavam mais com especulações teológicas. Estas interpretações, geralmente, possuíam cunho cristão, o que resultou na distinção das letras em humanas e divinas.

A razão passou a superar a fé, ou seja a fé deve iniciar quando a razão esbarra incapaz. Embora se encontrando envolta pelas circunstâncias do Renascimento, a igreja continuou a exercer grande influência no campo das Belas-Artes, da Literatura, Pedagogia e Filosofia daquele período.

Os modelos arquitetônicos franceses também se distinguiram neste período. Extinguiram-se as formas ogivais da Idade Média, passando-se para as gregas, romanas, italianas, contudo, conservaram-se as qualidades francesas de sensibilidade, gosto apurado, requinte e elegância.

O evoluir do humano passou a ser para os que tinham fé uma narrativa mítica, e de que o livro sagrado Gênesis apenas tratava uma idéia divina da origem de tudo, mas esta narrativa nada dizia sobre como aconteceu e vem acontecendo.

O conhecimento científico é experimental, limitado e também sabe-se que tudo referente ao passado longínquo do homem e da terra é incerto, pois não possuimos acesso as informações daquela época, só através de vestígios arqueológicos.

É sabido também que os aspectos culturais do homem tem muito haver com a geografia do local onde vive, o convívio com outros homens e com e patrimônio cultural. Por exemplo, no Nordeste, eles comem buchada de bode e no Sul churrasco, é devido a predominância abundante deste animais e a grande oferta deste alimento.

Outro exemplo é referente as roupas, no Sul, alguns gaúchos vestem bombachas porque facilita na montaria do cavalo, já na Caatinga nordestina é preciso vestir calças e jaquetas de couro para não se machucar com os espinhos existentes nos arbustos nativos do local. Então toda a cultura do homem esta baseada na geografia de onde vive, sua fala, crenças, mitos, a alimentação, as vestes, a música, a arte, etc…

Hoje em dia se fala tanto em ecologia e poluição, e estudos comprovam que no passado o que determinava o surgimento ou desaparecimento de certas espécies era o meio ambiente onde viviam e também o convívio de uma espécie com a mesma ou com outra. Na luta pela vida, contra a morte, muitas espécies conseguiram sobreviver e o homem é uma delas. Porque o homem diferente das outras espécies possui cultura, porém essa mesma cultura leva espécies a extinção, e corre o risco de exterminar o próprio homem

O Homem Urbano

Do homem cuja vida é predominantemente urbana é possível dizer que ele é um homem “multifacetado”. Ou, “multidimensional”. Ele é, ao mesmo tempo, funcionário, eleitor, paciente, transeunte, passageiro, espectador, pai, marido, freguês, fiel, cliente, munícipe, aluno etc. É simultaneamente politicus, oeconomicus, hierarchicus, aesthetichus, religiosus… Sua noção de pessoa é constituída pela soma dos efeitos que dela emana temporal e espacialmente” (Simmel, 1987:21). Ele se encontra num ambiente que “promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor. Mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos”. Ser urbano, atualmente é fazer parte de um universo no qual “tudo que é sólido desmancha no ar”.

Esta constante “transformação” exterior e interior obrigam o homem urbano a um crescente processo de individualização como modo de manter um núcleo de autocompreensão. Tal procedimento, segundo Simmel (um dos primeiros autores a pensar a cidade como categoria sociológica), levaria a uma subjetividade altamente pessoal que, no limite, levaria à dissociação, à indiferença para com os demais e ao sentimento de solidão. Novamente a cidade deletéria.

Ainda que não se concorde com a teoria dos “impulsos nervosos”, de Simmel (que pensava o homem urbano como um ser massacrado por um turbilhão de acontecimentos (estímulos) cotidianos aos quais depois de certo tempo deixa de reagir, sofrendo uma espécie de “anestesia” que faz com que ele não se espante com nada; atitude distanciada – uma espécie de embrutecimento gerado pelo excesso de estímulos nervosos – que ele chama “blasé”), pode-se perceber a influência dos estímulos intelectuais fornecidos pela cidade como elementos constitutivos de certas atitudes tipicamente urbanas.

A efemeridade dos acontecimentos, a rápida e constante superação de um momento pelo outro, de uma tecnologia pela outra, de regras, de modas, de modos de ser, parecem influenciar, de alguma forma, a disposição do habitante das metrópoles para a incorporação de mudanças cada vez mais freqüentes. O apelo ao consumo desenfreado de bens que se tornam obsoletos em período cada vez mais curto, parece um exemplo de tal disposição. Além disso, o consumo, numa sociedade de massas, pode ser compreendido como o exercício de uma liberdade de escolha (entre marcas, modelos, cores, desenhos) que não encontra expressão livre em outras dimensões da vida social. Inclusive, e principalmente, o consumo de bens simbólicos, como a religião, por exemplo.

Esses “fiapos” de liberdade de escolha e de ação constituem, entretanto, aquilo que permite que a impessoalidade, a desintegração etc. de que falam Simmel, Wirth, Redfield, e outros, não possam ser entendidos como generalizadas e sem resposta. Porque os grupos sociais surgidos da divisão social do trabalho e da heterogeneidade cultural tendem a articular suas experiências comuns em torno de certos valores, tradicionais ou não. Assim, se o habitante da cidade se sente solitário diante da indiferença (qualquer que seja o conteúdo por ela manifestado) da cidade como um todo, se é ele que determina em que instâncias e espaços apresentará a sua “identidade”, ele utilizará os vários conjuntos de símbolos em suas interações e opções cotidianas, tecendo, com os “fiapos” de liberdade de escolha, de modo criativo, novas redes sociais, interpretando, reinterpretando, rearticulando e selecionando aqueles que melhor se encaixam em sua visão de mundo. E assim a cidade se torna uma cidade boa para se viver.

Ainda assim, o crescimento das cidades, com vastas aglomerações, extensas e complexas organizações nas quais a função oculta a pessoa, pode contribuir para o sentimento de uniformização aparente dos indivíduos. Contudo, se a cidade atual parece apresentar-se como uma sociedade sem estilo é justamente porque sua feição é a somatória dos estilos dos grupos que vivem nela.

A procura de novas formas de identidade, a difusão de estilos de vida diferenciados, a experimentação que tenta criar novas unidades sociais mais “afetivas”, a multiplicação de possibilidades de engajamento são tentativas de resposta a essa situação, ao sentimento de massificação.

Desse modo, por exemplo, a participação em um mutirão para a construção da casa própria pode não visar unicamente à obtenção de um bem que o Estado e a baixa renda deixam de proporcionar, mas também a oportunidade de conhecer os vizinhos, trocar idéias, avaliar o mundo. Mesmo que já se possua uma casa.
O encontro do “outro”, organizado em grupos que visam a esse fim (em clubes, associações, bares, turmas de paquera, times de futebol, terreiros, igrejas, movimentos de minorias, movimentos reivindicatórios, ou mesmo empreendimentos que têm por finalidade última o encontro de parceiros para o lazer ou para o amor, como os chats da Internet, o disquenamoro ou o disqueamizade) representa a tentativa de resposta e remédio para o sentimento de solidão urbana e permite o uso da criatividade na elaboração de códigos e regras, como que “recriando” a sociedade.

Muitos grupos se organizam mesmo como se fossem seitas e parecem ter, como primeira função, dar uma identidade e assegurar uma inserção (é o caso dos “skin heads”, “função”, “punks” e outros), ampliando a rede de troca e sociabilidade e enriquecendo a experiência pessoal. Todos esses fenômenos são experiências de reconstrução de relações sociais diretas e personalizadas. A noção de grupos é essencial ao entendimento da dinâmica cultural urbana.

Uma vez tendo tido acesso a toda a teorização sobre a cidade feita por sociólogos que influenciaram fortemente não só as ciências sociais, mas também o senso comum, compreende-se que a cidade só existe enquanto relação entre os diferentes grupos que interagem em um dado sistema produtivo.

Cada grupo pode construir e reconstruir a cidade criativamente, a partir de elementos selecionados no amplo leque de opções disponíveis na cultura de uma dada sociedade. Ou seja, a cidade pode ser “construída” (interpretada, analisada) a partir do trabalho, do lazer, da economia, da religião, do “funk”, da capoeira, dos shoppings, das esquinas, das festas, do trânsito e sempre haverá uma cidade a ser construída conforme se privilegiem aspectos específicos.

Pensar a cidade como construção simbólica de determinados grupos (inclusive o grupo dos que estudam a cidade) possibilita ver que ela não rejeita seu papel de mercado, encontrando sua melhor definição, provavelmente, neste termo, pois além de mercado de trabalho, de trocas materiais, é o lugar onde os grupos efetuam também – e especialmente – suas trocas simbólicas (Bourdieu, 1987). E que é nesse processo de trocas simbólicas que a cidade desintegra e dilui, mas apenas para, no instante seguinte, reintegrar, refazer de modo diverso.

E finalmente, a noção de mercado permite dizer que a cidade afirma sua existência empírica apenas enquanto sistema no qual atua uma grande quantidade de grupos de interesse, de referência, de vários tipos, tamanhos e filiações, que se confrontam, competem entre si, aliam-se, misturam-se e interpenetram a fim de proteger, aumentar ou legitimar aquilo que consideram seu patrimônio, seja este cultural, histórico, ideológico ou outros. Numa palavra: seus estilos de vidas.

Assim, uma das maneiras de compreendermos os fenômenos em contexto urbano (e à cidade em suas dinâmicas específicas e integradas), é proceder ao estudo dos estilos de vida de cada grupo, a partir da investigação cuidadosa de seu cotidiano no trabalho, no lazer, na escola, família, suas preferências, participação política, participação em outros grupos etc., como observou Magnani (1986). Também Abner Cohen (1978) afirma que, de seu ponto de vista, “o estudo da estrutura dos grupos informalmente organizados é a chave para o desenvolvimento de uma antropologia das sociedades complexas, pois a complexidade pode ser deslindada com o desenvolvimento de formulações simples” (Cohen, 1978:154).

Estilo de vida é a forma pela qual uma pessoa ou um grupo de pessoas vivencia o mundo e, em consequência, se comportam e fazem escolhas. O que define os elementos que compõem o conjunto simbólico a que se chama de estilo de vida é, basicamente sua distância (dos elementos) em relação às necessidades básicas dos indivíduos ou grupos (Bourdieu, 1983).

“Necessidades básicas” são aquelas que determinam minimamente a sobrevivência dos homens: comida, abrigo etc. No entanto, se comer é uma necessidade, o modo como se come, a escolha que se faz entre os diferentes tipos de comida ou, ainda, o uso de talheres e a opção que se faz entre diferentes tipos e materiais destes é indicadora de valores que constituem estratégias de distinção no meio social. Portanto, o uso de talheres de plástico, prata, ouro, madeira inoxidáveis etc. pode revelar anseios, práticas, adesão a valores e estratégias de distinção numa dada sociedade. Do mesmo modo, se é preciso tomar banho, a escolha entre o sabonete das estrelas de cinema ou o “Abre-Caminhos do Amor” é significativa. Neste sentido, os elementos que preenchem os critérios de livre escolha, como os estéticos, artísticos, religiosos e outros, passam a ser significativos para a definição do estilo de vida de um dado grupo.

Para Pierre Bourdieu, “às diferentes posições que os grupos ocupam no espaço social correspondem estilos de vida, sistemas de diferenciação que são a retradução simbólica de diferenças objetivamente inscritas nas condições de existência” (Bourdieu, 1983: 82).

A praxis e a propriedade de bens (materiais e simbólicos) constituem uma expressão reiterada das condições de existência (aquilo a que se chama de estilo de vida) porque são a própria expressão do mesmo “fator prático operante” (a que Bourdieu chamou de “habitus”) e que é um sistema de “disposições duráveis” (um “gosto”) mas “flexíveis” que expressa, sob a forma de “preferências recorrentes” (sistemáticas), as necessidades objetivas das quais ele é resultado:

“A correspondência que pode ser observada entre o espaço das posições sociais e o espaço dos estilos de vida é resultado do fato de que condições semelhantes produzem habitus substituíveis que engendram, por sua vez, segundo sua lógica específica, práticas infinitamente diversas e imprevisíveis em seu detalhe singular, mas sempre encerradas nos limites inerentes às condições objetivas das quais elas são o produto e às quais elas estão objetivamente adaptadas” (Bourdieu, 1983: 83).

Gerado a partir de determinadas condições materiais de existência, esse “sistema de esquemas geradores”, inseparavelmente “éticos ou estéticos”, expressa, em sua lógica própria, as condições dessa existência, em “sistemas de preferências” cujas oposições em relação às preferências de outros grupos, em outras posições, reproduzem (às vezes de modo irreconhecível), “as diferenças ligadas à posição na estrutura da distribuição dos instrumentos de apropriação, transformadas, desse modo, em distinções simbólicas” (Bourdieu, 1979: 83).
Bourdieu chama a atenção, todavia, para o fato de que o conhecimento das características pertinentes à condição social e econômica só permite compreender a posição de indivíduo ou grupo no “espaço dos estilos de vida” (ou seja, nas práticas através das quais ele se marca e demarca) se for simultâneo ao conhecimento (prático ou não) da fórmula generativa do sistema de disposições generativas (habitus) no qual essa condição econômico-social se traduz e que a retraduz.

O gosto, a aptidão e a tendência à apropriação de uma certa categoria de bens ou “práticas classificadas e classificadoras é a fórmula generativa que está no princípio do estilo de vida”. Ou seja, estilo de vida é um conjunto unitário (elemento único: o gosto) de preferências diferenciadoras que expressam, na lógica específica de cada um dos micro-espaços simbólicos (vestimentas, linguagem, postura, consumos outros etc.) a mesma intenção de expressão, “princípio da unidade de estilo” que se entrega diretamente à intuição e que a análise destrói ao recortá-lo em universos separados:

“A visão de mundo de um velho marceneiro, sua maneira de gerir seu orçamento, seu tempo ou seu corpo, seu uso da linguagem e suas escolhas indumentárias estão inteiramente presentes em sua ética de trabalho escrupuloso e impecável, do cuidado, do esmero, do bem acabado e em sua estética do trabalho pelo trabalho que o faz medir a beleza de seus produtos pelo cuidado e pela paciência que exigiram. Pars totalis, cada dimensão do estilo de vida simboliza todas as outras” (Bourdieu, 1983: 84).

Crescendo a distância com relação às necessidades, o estilo de vida vai se tornando, cada vez mais, o produto de uma “estilização da vida”, preferência sempre recorrente e que orienta e organiza as práticas mais diversas, desde a escolha de uma roupa, uma bebida, até a decoração da casa, a religião a que se adere ou as opções de lazer. Essas peculiaridades parecem ser fatores de agrupamento e ao mesmo tempo instrumentos organizacionais no desenvolvimento de limites, formas de comunicação e outros mecanismos necessários à organização de um grupo.

Também Michel Maffesoli chama a atenção para a estreita conexão existente entre a Cultura e aquela “cultura” vivida no cotidiano e que constitui o que ele chama de “cimento essencial” de toda a vida societal. Essa cultura, diz Maffesoli:

“É feita desses pequenos ‘nadas’ que, por sedimentação, constituem um sistema significante (…) são coisas que dão conta de uma sensibilidade coletiva, sem muito que ver com a dominância econômico-política que caracterizou a Modernidade.(…) Após o período do ‘desencantamento do mundo’ (Entzauberung, em Weber), parece que agora assistimos a um `reencantamento’, cujo cimento principal seriam as emoções e ou sensibilidades vividas em comum.” (Maffesoli, 1987: 34/42).

Não é contraditório que esse partilhar de emoções e sensibilidades seja efêmero, como geralmente acontece ser. Conforme os interesses do momento, conforme gostos e ocorrências, o investimento passional irá conduzir determinado grupo ou atividade. Maffesoli chama a isto de “união em pontilhado” que, naturalmente, induz a atração e a repulsão, a adesão e o afastamento, o que, evidentemente, se expressa em conflitos de toda ordem:

“Chegamos agora, e isso é uma característica das cidades contemporâneas, à presença da dialética massas-tribos. Sendo a massa o pólo englobante, e a tribo o pólo da cristalização particular, toda a vida social se organiza em torno desses dois pólos num movimento sem fim. Movimento mais ou menos rápido, mais ou menos intenso, mais ou menos “estressante” conforme os lugares e as pessoas. De certo modo, a ética do instante, induzida por esse movimento sem fim, permite reconciliar a estática (espaços, estruturas) e a dinâmica (histórias, descontinuidades) que em geral propomos como antinômicas. Ao lado de conjuntos civilizacionais, que serão `reacionários’, isto é privilegiarão o passado, a tradição, a inscrição espacial, e ao lado de conjuntos `progressistas’, que acentuarão os tempos vindouros, o progresso e a corrida para o futuro, podemos imaginar agregações sociais que reunam `contraditoriamente’ estas duas perspectivas e, sendo assim, farão da `conquista do Presente’ seu valor essencial.” (Maffesoli, 1987: 176, grifos meus).

O gosto e a sensibilidade, fazendo parte do universo de subjetividades que constitui esta “conquista do presente”, podem ser entendidos como elementos constitutivos deste “cimento” que aglutina os indivíduos em grupos, especialmente na cidade.

A análise das subjetividades, gostos, sensibilidades e valores em si não dá conta, entretanto, de que tais valores são moldados por condições concretas de vida que os geram e que por eles são definidas num estilo. Um exemplo: o gosto pela música clássica ou pela sertaneja é condicionado pelo acesso que indivíduos ou grupos tenham a elas e a análise da música em si ou do que se sente em relação a ela não dará conta de todo o seu significado se não for feita também em referência a outros gostos e preferências em relação aos quais se distingue. Portanto, as categorias da sensibilidade e do “espírito” deverão ser acrescidas, para uma análise mais completa, à definição de Bourdieu para quem, como vimos, o estilo de vida é o elemento fundamental dentro da ordem simbólica, na definição dos grupos de status. Se as classes sociais, dentro do esquema weberiano, se definem fundamentalmente em função das diferentes “situações de mercado”, os grupos de status dependem do consumo de bens (materiais e simbólicos), expresso simbolicamente por um estilo de vida. Portanto, a posse de bens se traduz em consumo simbólico, em signos ou diferenças significantes.

Por outro lado, sendo os signos num sistema de signos uma função da relação com outros signos, ou seja, sendo seu valor dado pela posição que ocupam no sistema, o estilo de vida significa também relações de associação ou dissociação no sistema de estratificação. Logo, as formas ou estilos de consumo – por exemplo, das artes ou bens materiais – contribuem fundamentalmente para o conhecimento do significado atribuído pelos grupos às suas ações e da própria imagem social do grupo (Bourdieu, 1979).

Bibliografia
SIMMEL. George. “A Metrópole e a Vida Mental”.In: VELHO, Otávio G (org.) O Fenômeno Urbano. Ed. Guanabara, Rio de Janeiro.1987.
AMARAL, Rita de Cássia. Povo-de-santo, Povo de Festa – Estudo antropológico sobre o estilo de vida dos adeptos do candomblé paulista. Dissertaçao de Mestrado apresentada ao Departamento de Antropoloia da Universdidade de São Paulo, USP, São Paulo, 1992.
Renato (org.) – BOURDIEU, Coleção Grandes Cientistas Sociais. no. 39. Ática, São Paulo 1983.
COHEN, Abner O Homem Bidimensional. Zahar, Rio de Janeiro, 1978
MAGNANI, José Guilherme C. Festa no Pedaço. Brasiliense, São Paulo, 1984.
BOURDIEU, Pierre, “Gostos de classe e estilos de vida”. In: Ortiz, Renato (org.) – BOURDIEU, Coleção Grandes Cientistas Sociais. no. 39. Ática, São Paulo, 1983.
BOURDIEU, Pierre A Economia das Trocas Simbólicas. Ed. Perspectiva, São Paulo, 1987.
BOURDIEU, Pierre, O Poder Simbólico. DIFEL/Bertrand Brasil, Lisboa/Rio de Janeiro, 1989.
MAFFESOLI, Michel A Sombra de Dionísio. Contribuição a uma sociologia da orgia. Graal, Rio de Janeiro, 1985.
MAFFESOLI, Michel O Tempo das Tribos. O declínio do individualismo na sociedade da massas Forense Universitária, Rio de Janeiro, 1987.
Enciclopédia Universal Brasileira Vol X – Editora DCL Difusão Cultural do Livro LTDA. São Paulo, 1988

Eloir Antônio Oliveira da Silva
Formado em Filosofia/UFPel – Desenho e Computação Gráfica/UFPel – Especialista em Gráfica Digital/UFPel – Discente no Bacharelado de Artes Visuais/UFPel

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