A realidade nua e crua

No dia 21 de outubro de 2011 tive a honra se assim posso chamar esse momento, de participar de uma audiência pública na capital Porto Alegre na assembléia legislativa, onde o assunto em pauta era a questão de terras. Lá se encontravam deputados, representantes do governo, a excelentíssima senhora senadora Ana Mélia Lemos e muitos agricultores do nosso estado, todos muito bem acomodados na plenária, lá também estava uma minoria indígena, quilombolas e afro descendentes.

Deparei-me então com o  que há de mais preconceituoso no ser humano, ser esse que se autodenomina civilizado!

O assunto em questão era se demarcava algumas terras indígenas ou não, cada um defendendo seu lado,” tentando” entrar num acordo que contemplasse todas as partes.

Minha indignação não é nem em relação a se demarca ou não territórios tradicionais indígenas ou se deixa os invasores não indígenas lá, mas em perceber como somos vistos e tratados pelos grandes produtores e políticos que nos representam no cenário nacional ou estadual.

Somos historicamente donos desse chão Brasil, fomos expulsos de nossa casa, nos arrancaram de nossas terras no passado, e hoje nos tratam como invasores. Repulsa é pouco  pra definir aquele momento , vi  e ouvi o que pensam e dizem sobre nós povos indígenas kaingang e guarani, pessoas rindo, ironizando e gritando que somos preguiçosos, que não temos direito de lutar pela terra.

Vi líderes indígenas anônimos chorando e pedindo respeito a nossa cultura, a nossa mãe terra, vi também a solidão desses guerreiros anônimos, que tiveram a coragem de reagir diante de tanta injustiça. Porém a maior tristeza que vivi foi de perceber o quanto não estamos preparados  e nem unidos como povo para lutar pelos nossos direitos, ali estávamos em um número reduzido de kaingangs, mesmo sendo poucos em número poderíamos ter usado da nossa principal arma atualmente que é a nossa formação acadêmica, mas infelizmente ainda falta conscientização do quanto somos fortes apesar de poucos, percebo que essa sociedade está conseguindo o que sempre desejou que é exterminar o índio brasileiro, uma forma de extermínio diferente da tão desejada, mas tão cruel quanto a outra, o extermínio da nossa identidade, do nosso orgulho de sermos donos dessa terra. Ainda não estamos preparados para sermos líderes aqui fora, ainda não tomamos consciência da força da palavra, da resposta, da ação. Pude sentir na pele o resultado do extermínio da voz.

Mas assim mesmo não deixo de acreditar que mesmo poucos, ainda poderemos lutar junto com os líderes anônimos que lá estavam que aqui tenho a honra de citá-los: Jaime kaingang, Francisco kaingang, Luiz Salvador kaingang que tiveram a coragem de enfrentar agricultores, deputados, senadora e grandes latifundiários que se disfarçaram de pobres coitados para também se beneficiarem do que é nosso, do que é parte de nós que é a terra.

Que bom seria se junto com esses líderes, estivessem todos nós guerreiros indígenas que tivemos a chance de sair estudar e conhecer essa sociedade, talvez a gente poderia fazer a diferença naquele momento, não podemos querer ser guerreiros só dentro das nossas aldeias, porque lá não precisamos guerrear com nós mesmos, devemos ter consciência de que nossa luta é aqui fora junto às nossas lideranças tradicionais, mostrando os caminhos para a justiça e vitória , não com flechas, mas com a palavra e o conhecimento das leis criadas pelo homem branco.

De nada adianta passarmos na universidade, de nada adianta conviver nessa sociedade injusta se não sabemos o que queremos, para que queremos e o que faremos com nosso conhecimento adquiridos em anos de estudos, pois só assim provaremos a todos que não somos e não admitimos sermos tratados como palhaços, como fomos nesse dia triste.

Mas ainda me sinto feliz e realizada, não deixo de acreditar que podemos ser vencedores, pois mesmo conhecendo naquele dia o lado mais preconceituoso dos não indígenas, pude também me deparar com grandes parceiros brancos e negros que assim como aqueles que lá estavam em minoria também acreditam na nossa luta,  que junto com a gente levantou a bandeira e gritou em plenária aos quatro cantos que apoiavam nossa luta, pessoas que merecem o maior respeito e reconhecimento pela coragem de enfrentar também o preconceito por apoiar índios e negros.

Aqui registro a compreensão da coordenação do curso do Proeja Indígena que nos possibilitou a ida a esse momento histórico de luta do nosso povo, a coragem de uma professora indígena em também estar lá e mostrar a seus alunos que podemos sim fazer a diferença, só depende de nós.

Tivemos a honra de nos deparar com a verdadeira face de políticos que chegaram um dia  em nossas terras se dizendo apoiadores  à nossa causa em busca de apoio político e que naquele momento  estavam a aplaudir os grandes agricultores e deputados que não aceitam nosso direito a terra, pobres coitados nem imaginavam nos encontrar lá, assim foi uma honra poder cumprimentá-los e convidá-los a visitar novamente nossas aldeias nas próximas eleições!

Penso que momentos como esse devem ser divulgados, pois podemos sim fazer a diferença, lutar, acreditar, se expor, chorar e podemos até perder, mas nunca deixar de ter orgulho de levantar a bandeira e gritar, mesmo que seja  um grito silencioso e que ninguém naquele momento nos ouvisse, mas que se grite e diga com orgulho que a casa é nossa e não damos autorização para ninguém entrar sem ser convidado. Nossa casa é nossa terra e não podemos deixar nossos filhos crescerem sem saber de onde vieram e para onde voltarão.

Como falou o Jaime kaingang “eu tenho pena de vocês, pois vocês compraram terras e pagaram por elas, é justo, mas esqueceram de avisar vocês que essas terras já tinham donos, nós os indígenas!”.

E seu Francisco kaingang “não era pra nós ta aqui hoje nesse lugar, mas vocês invadiram nossas terras e nos trouxeram pra cá!

Um grande abraço a todos, e continuemos na luta, que está só começando.
Laísa Erê Ribeiro/Bióloga kaingang, pós graduanda em EDCI e Proeja Indígena

Enviado por: Alessandro Lopes
Discente Bacharelado Antropologia/UFPel

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