“As lendas da criação…” é hoje um trabalho clássico, uma das monografias mais famosas sobre etnologia brasileira, e a maior obra de Nimuendajú, servindo como referência aos estudos dos Guarani.
Escrita pelo alemão Kurt Unkel, que veio para o Brasil em 1905, um ano após quando iniciou seu trabalho no Estado de São Paulo foi batizado pelos seus interlocutores Guarani como Nimuendajú e em 1922 quando naturalizou-se brasileiro passou a chamar-se Curt Nimuendajú.
Nimuendajú trata do complexo profético migratório dos Apapocuva (hoje denominados Ñandeva), analisado nos mitos e correlações éticas. Também trata sobre o dualismo espiritual dos Guarani (alma-palavra celeste, alma-animal terrestre) ou por Celeste Cicarrone chamadas de alma-divina e alma-telúrica.
É importante salientar que no início do século XX, no noroeste paulista e no sul do Mato Grosso estava acontecendo um movimento de colonização por imigrantes, apoiada pela construção da estrada de ferro Noroeste do Brasil, afetando os povos indígenas daquela região (Guarani, Kaingang, Xocleng, Ofaié). Foi nesse contexto que surgiu o famoso debate de Von Lhering, em propor o extermínio dos povos indígenas para liberar as terras para os imigrantes.
Viveiros de Castro aponta no trabalho de Nimuendajú uma mistura de obstinação e desencantos dos Guarani, e contra todos as previsões negativas sobre o fim iminente da sua cultura, eles existem até hoje.
As obras de Nimuendajú exprimem muito mais os mitos e tensões inerentes ao campo antropológico-indigenista. Autodidata sem formação acadêmica, utilizou-se dos talentos de linguista, historiador, arqueólogo e cartógrafo, fez 38 expedições etnográficas e arqueológicas de 1905 a 1945 (com sua morte em campo), percorrendo vários grupos étnicos ameríndios.
Os seus estudos isentos dos compromissos teóricos-institucionais, permitiram desenvolver a capacidade de perceber as preocupações dominantes de cada cultura, e não de qualquer teoria ou escola.
O método de Nimuendajú era de caracterizar o ethos e visão de mundo do povo estudado, guiado pela percepção das culturas de cada etnia, priorizava a palavra dos indígenas, fontes documentais, o manejo da língua nativa e denunciava a miséria física e moral dos povos indígenas. Sendo defensor dos direitos dos indígenas e de suas formas culturais.
Apoiado em clássicos sobre os Guarani derivados da produção etnológica ameríndia sobre a América do Sul, o seu trabalho surpreende pela modernidade, pois temos um texto de 1914 com usos de técnicas como a “observação participante”, domínio da língua, permanência prolongada em campo entre outras formas clássicas de fazer antropologia utilizadas na contemporaneidade.
Viveiros fala que apesar de um estilo antropológico, os trabalhos de Nimuendajú “apresentam um domínio incompleto do campo e uma formação errática”, onde ele busca “várias formas de analogias para explicar de forma arcaica o que está vendo em campo”.
Apesar das críticas de Viveiros de Castro, ele aponta para as produções que tiveram influência direta nos trabalhos subsequentes sobre os Guarani, como os autores Egon Schaden, Leon Cadogan, Pierre e Hélene Clastres entre outros.
As suas monografias também abriram pesquisas sobre a estrutura social das sociedades Jê, contribuindo para os estudos dos seus sucessores como Levi-Strauss, que em 1950 fundou a antropologia estruturalista, mudando totalmento nosso campo de estudos.
“Nimuendajú parece se equivocar, quando, à força quer demonstrar que a ocupação do litoral atlântico pelos Tupi se devera a fatores exclusivamente religiosos”, ou seja, na busca pela Terra sem mal.
As análises mitológicas estavam na ordem do dia, tratando das origens da religião ou da razão, servindo como rotas de difusão cultural e mapas de afinidades genéticas.
O problema que o Nimuendajú encontrou sobre a melancolia e o desespero do pensamento Guarani ainda está em aberto. Ele achava que a …
“…cataclismologia Guarani tem atrás de si uma mistura muito sutil de esperança e desânimo, paixão e ação, e que sua aparência negadora oculta uma poderosa força afirmativa: em meio à sua miséria, os homens são deuses.” (Pág. 24)
Apesar de muitos escritos sobre os diferentes povos Guarani (Mbyá, Ñandeva, Kayowá), ainda continuam cheios de mistérios devido à complexidade da sua cultura e a mobilidade que lhes é própria.
Nos anos 40, no trabalho de Shaden, “Aspectos Fundamentais da Cultura Guarani” (Schaden, 1959: cap. VII), fala sobre a religiosidade dos Guarani trazer o problema da influência jesuítica (cristã de modo geral) sobre a cosmologia Guarani.
Primeiramente Nimuendajú sugere que o plano religioso é o lugar do sentido na sociedade Guarani, posteriormente seus trabalhos demonstram que o plano sociológico é privilegiado nos grupos Jê.
Eduardo diz que sem as descrições etnográficas, “De sistema de parentesco, distribuição espacial, ciclo de vida, genealogia…”, se continuará sabendo pouco sobre a sociologia e do misticismo religioso Guarani.
Seres do devir, os Guarani se preparam para após a morte se encontrarem com os deuses. “Para os Guarani a destruição do mundo não é um termo, mas uma linha de fuga que os arrasta para um além sempre adiado, e isto é o presente.”
Conclusão:
Segundo Eduardo Viveiros de Castro nos grupos ameríndios, tanto nos grupos Jê, quanto Tupi-Guarani a cosmologia predomina sobre a organização social, e religiosa, ou seja, é parte constitutiva da estrutura social, formando assim a cultura de cada grupo.
Cátia Simone da Silva
Discente Bacharelado em Antropologia/UFPel
Integrante do NETA – Núcleo de Etnologia Ameríndia/UFPel
e do NECO – Núcleo de Estudo sobre Populações Costeiras e Saberes Tradicionais/FURG