Fichamento do texto “RAÇA E CULTURA”, Lévi-Strauss in “Raça e Ciência” – Ed. Perspectiva
Ida Duclós
1. Raça e cultura:
Lévi-Strauss diz que não se pode falar em contribuições das raças a civilização, quando se pretende lutar contra os preconceitos raciais. E explica que fazer isto seria caracterizar as raças biológicas por propriedades psicológicas particulares, o que nos afastaria da verdade científica, mesmo que estivéssemos definindo-as positivamente, O “pecado original da antropologia”, para o autor, consiste na confusão entre noção puramente biológica e produções sociológicas e psicológicas das culturas humanas.
Mas dizer que as contribuições culturais não tem nenhuma relação com a constituição anatômica e fisiológica não elimina a diversidade de sociedades e civilizações. Tal diversidade, diz Lévi-Strauss, é paralela às relações que ocorrem no plano biológico, mas se passa noutro campo. E se diferencia destas relações por estar numa outra ordem de grandeza ( muito mais culturas que raças) e por colocar a seguinte questão: tal diversidade é uma vantagem ou desvantagem para a humanidade?
Strauss defende que negar que existam “aptidões raciais inatas” também não resolve o problema levantado pela civilização do homem branco, que alcançou progresso notável enquanto outras raças permaneceram e permanecem atrasadas: e necessário, então, ir além da negativa e nos “debruçarmos” sobre um outro aspecto, o da desigualdade – ou diversidade das culturas humanas.
2. Diversidade das culturas
Quando se fala em diversidade de culturas humanas pode-se considerar sociedades contemporâneas ou sociedades que se desenvolveram no passado (neste caso, o contato direto é impossível e temos que nos contentar com os documentos escritos ou monumentos que sobreviveram) , sociedades que conhecem ou não a escrita (neste caso, as formas precedentes são praticamente desconhecidas.
: “a diversidade das culturas humanas é de fato no presente, de fato também de direito no passado, muito maior e mais rica do que tudo o que estamos destinados a conhecer a seu respeito”.
Mas reconhecer estas limitações não e suficiente, como avisa Lévi-Strauss: nas sociedades humanas existem forças que trabalham ao mesmo tempo em direções opostas ( as primeiras mantendo o particularismo, as outras tendendo para a convergência). E mais, há as relações recíprocas e a diversificação interna das sociedades agindo na problemática da diversidade. Pois,”as sociedades humanas nunca estão sozinhas…”
A diversidade, adverte o autor, não deve ser “uma observação fragmentadora ou fragmentada”: ela existe em função das relações que une os grupos, muito mais do que o isolamento destes.
3. Etnocentrismo
A diversidade das culturas não e considerada como um fenômeno natural, diz Lévi-Strauss: “a noção de humanidade, a englobar sem distinção de raça ou de civilização todas as formas da espécie humana, apareceu muito tardiamente, e teve expansão limitada”. Mas a simples afirmação de igualdade natural para todos ( como fizeram os grandes sistemas filosóficos e religiosos) contém algo de enganoso, para o autor: não é possível por de lado, simplesmente, a diversidade que existe de fato porque não e possível admitir o homem realizando sua natureza numa humanidade abstrata. Ao contrario, o homem se realiza em culturas tradicionais e as modificações se explicam em função de situações definidas no tempo e espaço.
Lévi-Strauss critica o “falso evolucionismo” como uma “tentativa para suprimir a diversidade das culturas, fingindo reconhecê-las plenamente”: a humanidade deve tornar-se una e idêntica em si mesma, o que existe como diversidade não passa de etapas ou estágios de um único desenvolvimento.
O autor traça uma diferença entre evolucionismo biológico do “pseudo evolucionismo”, advertindo que quando se “passa de fatos biológicos para fatos culturais as coisas mudam”. O evolucionismo biológico esta provavelmente correto para raças e animais, diz o autor, mas não tem a mesma relação na evolução social e cultural. Pois, argumenta Lévi-Strauss, como vamos desenterrar crenças, gostos de um passado desconhecido ou como vamos considerar que um machado dá origem física a outro machado?
4. Culturas arcaicas e culturas primitivas
Lévi-Strauss critica e evolucionismo que procura estabelecer analogias entre culturas comparando-as com a civilização ocidental: “pois as tentativas de conhecer a riqueza e a originalidade das culturas humanas, e de reduzi-las ao estado de replicas desigualmente atrasadas da civilização ocidental, se chocam com outra dificuldade… todas as sociedades humanas têm atrás de si um passado que e aproximadamente da mesma ordem de grandeza. Não se pode admitir a ideia de etapas do desenvolvimento porque as culturas não são estáticas, não existe “povos sem história”, existem povos do qual não conhecemos o passado.
Lévi-Strauss admite uma concepção que distingui duas espécies de história para interpretar a diversidade: uma história progressiva, aquisitiva (aonde as descobertas e invenções são acumuladas para construir uma grande civilização) e uma outra história sem este dom sintético ( ainda que ativa e talentosa)
5. A ideia de progresso
A hipótese de uma evolução para hierarquizar culturas contemporâneas em números casos foi desmentida pelos fatos quando se pretendia estabelecer analogias. Do mesmo modo, os fatos demonstram que não se pode traçar esquemas para sociedades que nos precederam no tempo: “o desenvolvimento dos conhecimentos pré-históricos e arqueológicos tende a desdobrar no espaço formas de civilização que estávamos levados a imaginar como escalonadas no tempo”, diz Lévi-Strauss para acrescentar em seguida que o progresso se dá aos saltos, não linearmente, tendo sempre vários caminhos que pode percorrer.
A História pode ser cumulativa, em alguns casos, o que “não é privilégio de uma civilização ou de um período histórico”, diz o autor, exemplificando com á América, aonde se desenvolveram culturas com História acumulativa.
6. História Estacionaria e História Cumulativa
Considerar a América como exemplo de História cumulativa é é fruto de um interesse do homem ocidental em aproveitar certas contribuições dos Índios Americanos, diz Lévi-Strauss, pois a tendência e considerarmos os aspectos de uma cultura que tem significação para nós, qualificando-a de “cumulativa”. Mas quando a linha de desenvolvimento de uma cultura nada significa para nós, nós a qualificamos de estacionária. Esta atitude nos leva a apreendermos a historicidade de uma cultura não de acordo com suas propriedades intrínsecas, mas sim de acordo com o número e a diversidade de nossos interesses que estão engajados nelas. Com isto, Lévi-Strauss quer dizer que não devemos confundir com imobilismo a nossa ignorância dos interesses verdadeiros de uma cultura, ao mesmo tempo em que esta por ser dotada de critérios diferentes, tem o mesmo julgamento de nos. Ou nas palavras do autor: “pareceríamos uns aos outros como desprovidos de interesse, muito simplesmente porque não nos assemelhamos”.
A originalidade das culturas, diz Lévi-Strauss,”reside mais na sua maneira particular de resolver problemas, de por em perspectivas valores, que são aproximadamente os mesmos para todos homens: pois todos possuem uma linguagem, técnicas, arte, conhecimentos de tipo cientifico, crenças religiosas”, ainda que dosados de maneiras diversas.
7. Lugar da civilização ocidental
Para o autor, o fenómeno da universalização ocidental é difícil de ser avaliado, por ser praticamente único na* História da humanidade e dado a incerteza dos seus resultados. Adesão ao género de vida ocidental se da em desigualdade de forças o que leva a Lévi Strauss considerar que as sociedades não se entregam com tanta facilidade e que esta adesão se deve mais a uma ausência de escolha: “a desigualdade de força «x não depende mais da subjetividade coletiva, É um fenômeno objetivo que só o recurso a causa objetivas pode explicar”. E Lévi-Strauss constata o quanto “dependemos ainda das imensas descobertas que marcaram o que se denomina, sem qualquer exagero, a “revolução neolitica”- agricultura, criação, cerâmica e tecelagem.
8. Acaso e Civilização
Lévi-Strauss descarta a possibilidade do acaso nas grandes invenções da humanidade no passado e diz que a a revolução industrial e cientifica do Ocidente “se inscreve totalmente num período igual a cerca de meio milésimo da vida passado da humanidade”. E nos convida s a sermos modestos antes de pensarmos que ela esta destinada a mudar-lhe totalmente o significado ou reivindicarmos prioridades para uma raça, uma região ou uma pais: “e se, como é verossímil, ela deve estender-se totalidade da terra habitada, cada cultura introduzira nela tantas contribuições particulares que o Históriador dos futuros milênios, legitimamente, considerará fútil a questão de saber quem pode, dentro de um ou dois séculos, reclamar a prioridade para o conjunto7
Lévi-Strauss diz que a diferença entre culturas não pode ser cumulativa ou não, conceito que além de depender do relativismo de nossos interesses e negado ainda pelo fato de que “a humanidade não evolui num sentido único. E se, num certo plano, ela parece estacionaria ou mesmo regressiva isso não significa que, de outro ponto de vista, ela não seja o centro de importantes transformações.”
9. A Colaboração das Culturas
O principal absurdo de considerarmos uma cultura superior a outra, diz Lévi-Strauss, consiste no fato de que a medida em que uma cultura esta sozinha ela elabora muito pouco de História acumulativa: “nenhuma cultura esta só; ela é sempre capaz de coligações com outras culturas, e e isso que lhe permite edificar séries cumulativas. A possibilidade que tem uma cultura de totalizar este conjunto complexo de invenções de to das as ordens que chamamos civilização e função do número e da diversidade das culturas com que ela participa na elaboração – na maioria das vezes involuntária – de uma estratégia comum.”
Não se pode portanto fazer uma lista das invenções particulares diz Lévi-Strauss, porque a verdadeira contribuição das culturas esta no afastamento diferencial que elas apresentam entre si; civilização implica coexistência de culturas que ofereçam entre si o máximo de diversidade, e consiste mesmo nessa própria coexistência.”
Última Modificação: 30 abr, 2010.
Fonte: www.consciencia.org/etnocentrismo_levi_strauss