Cristiano Navarro
Brasil de Fato
Doudou Diène, relator da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Formas Contemporâneas de Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia, iniciou a sua viagem pelo Brasil, na Capital Federal, ouvindo denúncias feitas por representantes e entidades da sociedade civil que acusaram o governo e o Estado brasileiro como os maiores promotores da discriminação.
No dia 17, representantes do Movimento Nacional de Direitos Humanos, a organização não-governamental Enegrecer, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos, lideranças do povo Krahô-Kanela e defensores dos direitos dos imigrantes apresentaram seus testemunhos ao relator da ONU.
A mais contundente das denúncias foi feita pelo cacique do povo Krahô-Kanela, Mariano Ribeiro. Em seu testemunho, ele relatou o sofrimento de 96 pessoas do seu povo que, há dois anos, vivem confinadas em uma casa de 100 metros quadrados no município de Gurupi (TO), onde antes era o depósito de lixo público da cidade.
Mais de 80% dos confinados convivem com uma verminose que pode levar à morte. Sem espaço para plantar ou ter com o que sobreviver, há mais de 20 anos os Krahô-Kanela reivindicam 29,3 mil hectares de sua terra tradicional, chamada de Mata Alagada.
Apesar das evidências antropológicas, a Funai nega a demarcação da Mata Alagada, alegando que não seria uma terra de ocupação tradicional. Assim, passou a responsabilidade para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Após ouvir o relato de Ribeiro, Diène afirmou que, assim como no Brasil, em outros países por onde passou os índios são as principais vítimas do preconceito. “A discriminação contra os povos indígenas é o começo de tudo. No princípio, a discussão era se os índios tinham ou não uma alma humana. E é a partir da discriminação contra o índio que veio a discriminação contra o negro, por isso as duas estão intimamente ligadas”, lembrou o relator da ONU.
Diène questionou o cacique Krahô-Kanela sobre como o governo brasileiro trata a questão indígena. “A Fundação Nacional do Índio e o governo federal, que na campanha se dizia nosso amigo, trabalham discriminando o índio. A Funai é um órgão que foi criado para cuidar dos interesses dos índios, mas ela deixa de defender o índio para defender o interesse dos fazendeiros”, respondeu o cacique.
ASSASSINATOS
Já o Cimi entregou ao relator uma prévia do relatório de violência contra os povos indígenas que produz anualmente. Somente neste ano, os números do Cimi apontam 33 assassinatos decorrentes da questão da terra, 43 mortes de crianças indígenas causadas por desnutrição e 34 mortes por falta de assistência à saúde (veja quadro).
Diène explicou que o seu trabalho está dividido em três partes. Na primeira, ele se encontra com autoridades para fazer essencialmente três perguntas: “Há racismo no Brasil? Quais são as manifestações deste racismo? Quais as soluções que o governo tem dado para o problema?” Na segunda etapa, visita grupos e comunidades vítimas da discriminação e movimentos de defesa da sociedade civil e repete as mesmas perguntas, acrescentando uma quarta pergunta “o que o governo deve fazer?” A terceira parte do trabalho é a produção do relatório, considerando as entrevistas e a vivência.
São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife são os próximos pontos da visita. Os primeiros resultados da viagem devem ser apresentados à ONU no dia 7 de novembro.
Fonte: www.direitos.org.br