O articulista João Feder escreve que quanto mais se vive, mais problemas se enfrenta. Num futuro mais próximo do que imaginamos, vamos nos defrontar com problema sério: crise no abastecimento de água doce e limpa.
João Feder tem razão. Há poucos dias, foi divulgado que agrotóxicos estão ameaçando o Aqüífero Guarani, reserva subterrânea gigantesca e estratégica de água potável capaz de abastecer o Brasil todo por volta de 2.500 anos. Mas, está ameaçado em virtude do uso indiscriminado de agrotóxicos, que acabam se infiltrando no solo.
O aqüífero Guarani abrange oito Estados brasileiros e três países. Está sendo contaminado pela agricultura intensiva, segundo constatação feita pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
O geólogo Marco António Ferreira Gomes, da Embrapa, coordena projeto de pesquisa que está avaliando o grau de contaminação do aqüífero. Os estudos chegaram à constatação de que as chamadas áreas de recarga do reservatório, nos quais o aqüífero está mais próximo da superfície, já estão sob risco. Em alguns casos, a poluição por agrotóxicos já está perto do nível considerado perigoso para o consumo humano. Enquanto isto, outras áreas correm sério perigo de contaminação.
A megareserva de água potável do Aqüífero Guarani se estende por l ,2 milhão de quilômetros quadrados, contendo 370 mil quilômetros cúbicos de água. Além do Brasil, onde abrange os Estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás, o Aqüífero Guarani também atinge o Paraguai, a Argentina e o Uruguai. Segundo avaliações, ele forma o maior reservatório de água doce do mundo. E tem gente que está contaminando.
Falta, efetivamente, consciência para o ser humano. Em alguns países, em razão da falta, a água já está sendo até mais valorizada do que o petróleo. Nós, do Sul do Brasil, que estamos alojados em cima desta gigantesca reserva, não estamos tomando os cuidados necessários para preservá-la. Quando faltar água doce na superfície e for necessário recorrer ao subsolo, não vai adiantar muito porque também a água de lá estará condenada, contaminada por venenos.
O principal foco de contaminação, que representa o maior perigo ao Aqüífero Guarani está situado na região de Ribeirão Preto, em São Paulo. Como não há outras reservas, já está sendo usada a água do aqüífero, buscada em área de recarga, que fica submersa a cerca de 1.200 metros da superfície e, como a região tem a atividade agrícola fortemente centrada na cana-de-açúcar e, como esta exige grandes quantidades de agrotóxicos, a contaminação do aqüífero só faz crescer. Resíduos de herbicidas usados nas lavouras de cana (debrum e tebutiuron) foram encontrados na água, sendo que o nível de contaminação encontrado e de 80% do máximo permitido para o consumo humano. A região está em regime de alerta vermelho.
Os defensivos agrícolas usados nas lavouras de milho e de soja do Paraná, o cultivo de maçã em Santa Catarina, e as plantações de arroz irrigado no Rio Grande do Sul, também contaminam o Aqüífero Guarani.
A Embrapa estuda a possibilidade de criar sistema de zoneamento ambiental que tire a pressão agrícola de cima das áreas de recarga do aqüífero.
Uma das idéias é a de permitir que nas áreas próximas a rios sejam permitidas apenas atividades que exigem menos agrotóxicos, caso, por exemplo, da pecuária.
A água doce e limpa está diminuindo mais rapidamente do que os cientistas calcularam, e eles, que até pouco tempo olhavam para o céu, esperando a chuva, agora voltaram seus olhares para o chão, em busca de novas fontes do recurso vital para a humanidade.
A esperança da ciência são os aqüíferos, ou seja, os grandes rios e lagos que estão situados abaixo da superfície, alguns deles com reserva de água “fóssil” que eles calculam tenham até um milhão de anos.
Não há dúvida de que se chegarmos a uma crise de abastecimento será possível recorrer aos aqüíferos, mas o problema não termina por aí.
O que tem preocupado os cientistas é que os hidrólogos pouco sabem sobre as conseqüências de um impacto ecológico da extração realizada em aqüíferos profundos, principalmente porque não se sabe quais e quantos deles podem ser reabastecidos naturalmente e quais são os aqüíferos fósseis, ou seja, aqueles existentes em espaços fechados assim como o petróleo, disponível para apenas uma extração.
Somente 2,5% da água existente no mundo é doce e a maior parte dela está congelada nas galerias e calotas polares. Menos de três décimos de 1% da água doce está nos lagos e rios, que vêm servindo à humanidade. E, pior, grande parte desta água está secando ou se deteriorando.
De uma coisa todos podemos estar certos: o Aqüífero Guarani é um dos principais recursos estratégicos para as futuras gerações de brasileiros. Por isto, precisa ser preservado. Não é mais novidade nenhuma, que o problema do futuro vai ser a água.
(Editorial. O Jornal, p. 02, 01 de maio de 2003, Mal. Cdo. Rondon.)