Introdução ao universo mitológico e metafísico das principais culturas Ameríndias.
Ao contrário das grandes civilizações mesoamericanas e Andinas, os exploradores Ocidentais, não encontraram vestígios de uma civilização, durante as expedições ao vale do rio Amazonas. Em vez disso, descobriram centenas de tribos, vivendo em estados primordiais e descobriram que o mundo destes caçadores – colectores, e dos seus sonhos, se fundiam numa realidade única. Ela era, e é, um mundo povoado de espíritos – espíritos da lua, espírito dos abutres, espírito dos remoinhos, dos raios e dos trovões.
As inúmeras tribos Amazónicas, têm a sua origem em três ramos relacionados: Os Tupi ou Guarani, os Omagua e os Pano; a eles devem ser acrescentadas as tribos Quíchua, que descendem dos Índios Inca. Na altura em que os cronistas fizeram as primeiras viagens, sabia-se da existência de mais de 700 tribos, cuja subsistência inclui a caça, a pesca e a jardinagem. Os primeiros Ocidentais não encontraram provas de uma linguagem escrita, nem sinais de registos pictóricos que pudessem esclarecer a mitologia da Amazónia.
Os Índios das florestas tropicais da América do sul, vivem em pequenas sociedades, tendo cada uma a sua base mitológica própria. Nenhum grupo de deuses ou heróis culturais é comum a todos os Ameríndios, desta vasta região. Estamos também a lidar com mundos mitológicos, onde os homens são animais e os animais são homens; com tanta confusão deliberada, de identidades, entre o humano e o animal, é talvez mais relevante considerar os valores simbólicos da Anaconda ou do Jaguar, do que as aventuras dos seus parceiros humanos. A Anaconda, por exemplo, é várias vezes descrita como Mestre das Plantas Cultivadas e o Jaguar como Mestre do Fogo. Apesar dos deuses, heróis culturais e outros seres míticos, variarem de uma sociedade para outra, podemos falar genericamente sobre uma mitologia Sul Americana. O antropologista Francês Lévi – Strauss. Mostrou que os mitos de uma sociedade, não são mais do que a transformação dos mitos de outra sociedade, sendo modificados de maneira ordenada, por variações de entendimento do mundo e diferenças na organização social. À medida que movemos de uma cultura Ameríndia para outra, os mitos de uma são entendíveis em termos da outra, desde que ambos partilhem de uma base de preocupação comum e que vinculem, uma lógica também comum.
A origem da horticultura
Este mito vem do Trio de Suriname e do Brasil. O herói cultural Paraparawa foi pescar à borda de um rio. Ao princípio não apanhou nada, mas ao fim de algum tempo apanhou um pequeno peixe chamado Waraku. Quando o apanhou, ele bateu no chão, atrás de si, e começou a pular. Paraparawa procurou-o mas ele não estava lá. Depois ouviu uma voz atrás de si que dizia: “Sou eu”, e ele ficou espantado, porque o peixe transformou-se numa mulher. A mulher, Waraku, disse: “Eu quero ver a tua aldeia”. Assim eles foram, e nessa altura a aldeia de Paraparawa encontrava-se entre as raízes Waruna. Waraku ficou surpreendida quando viu a aldeia e disse: “Onde está a tua comida? Onde está a tua bebida? Onde é a tua casa?”
“Eu não tenho casa”, disse Paraparawa, “E o meu pão é a seiva mole que se encontra dentro da raiz Waruma”. Waraku disse que já tinha visto o suficiente e ambos retornaram para a água. Ela disse: “Espera um minuto, o meu pai está a chegar, e ele vai trazer comida, bananas, inhame – que tem por tipo o espargo comum – batatas-doces e yuca – yuca é a raiz principal de muitas sociedades Ameríndias Tropicais, da qual se faz o pão e a bebida – Quando o pai de Waraku chegou, Paraparawa viu primeiro a planta da yuca. O seu pai foi-se aproximando, vindo da água, e eles viram as folhas da planta yuca vindo dentro da água, para fora. O pai de Waraku chegou como um crocodilo gigante. À medida que se aproximava, Paraparawa viu os seus olhos vermelhos e ficou tão assustado que fugiu. Mas a mulher manteve-se e ficou com as plantas alimentícias de seu pai. Depois deu tudo a Paraparawa. “Como poderei fixá-las?” perguntou Paraparawa. “Corta um lugar para elas. Alisa um campo para elas”, respondeu Waraku. “Certo”, disse ele, e então plantou-as. Plantou Yuca, bananas e todas as outras coisas no campo. Elas cresceram. Todas cresceram, até não poderem crescer mais. Waraku disse então a Paraparawa como fazer todos os utensílios necessários para fazer o pão, a partir da raiz yuca, porque ele era ignorante e não sabia nada destas coisas, de como cozinhar comida. Waraku fez pão para Paraparawa, mas quando ele experimentou um pouco, vomitou. Não estava acostumado, mesmo assim experimentou de tudo; teve que engolir todos os novos alimentos. Finalmente ele cresceu, acostumado a comer estes alimentos e deixou de comer o interior da haste da Waruma. Foi assim que aconteceu.
De uma maneira geral, os mitos das sociedades da selva Sul Americana, são uma complexa declaração sobre aquilo que existe no mundo: dizem que coisas existem no universo, como vieram a ser e qual a sua natureza. A sua principal preocupação, é definir o ideal ou as relações harmónicas que devem de permanecer entre os vários elementos para a sociedade poder existir. Para isso, elementos caracterizados como perigosos em relação a cada um, devem misturar-se – homem e mulher, humanos e animais, parentescos e famílias – e esta mistura deve seguir as regras próprias, usualmente atribuída a um herói cultural do tempo mítico. Um mito da origem da sociedade, encontrado com frequência entre os Índios da América do Sul, fala de uma criação, normalmente a partir do peixe, de grupos separados de pessoas. Na sua separação, os grupos existiam numa forma associal, e num estado de infertilidade. A vida social, e por consequência a fertilidade, poderiam emergir apenas pela aproximação destes grupos. Eles tornaram-se um só povo, mesmo que de forma perigosa, através de inter. – casamentos. Entre os Shavante do Brasil o laço de parentesco e famílias é cortado novamente após a morte; porque nessa altura o defunto regressa ao seu próprio grupo de origem, que é livre de familiares. Assim, entidades perigosas estão mais uma vez separadas, umas das outras, no mundo do além, e nesta separação vem a não vida: uma declaração eloquente em si, da natureza da própria vida. Os mitos, então, estão ligados ao que quer dizer ser-se humano e vivo, dentro de uma sociedade humana, e são os perigos inerentes à sociedade que são consistentemente colocados à prova. A vida social tornou-se possível através da criação do cultivo, de cozinhar ao lume, de artefactos culturais, a caça, os poderes gerativos do homem e da mulher; mas no despertar destas criações, está não só o conhecimento e a lei, mas a morte, a doença, o canibalismo, a infortuna e o sofrimento. Todos estes elementos em conjunto, criam o mito. História e mito são um e o mesmo para os Ameríndios. Por vezes o mito introduz a um estado de estar pré – mítico, fala numa transformação e ao fazê-lo termina num tempo pós – mítico. Esta transformação de tempo pré – mítico, para pós – mítico, representa o tempo histórico para o Índio, enquanto que o estado de estar pós – mítico, descrito no mito, é percepcionado como a maneira própria e estado inevitável do quotidiano presente: o homem come carne cozinhada, não crua; o Jaguar come comida crua, e não cozinhada.
Um aspecto importante dos mitos é que qualquer dado mítico é sobre a multiplicidade de tópicos. Os mitos acerca da aquisição da agricultura são também sobre a origem da natureza das relações inter–familiares. Os temas estão interligados, sendo cada tema usado para explicitar o próximo. O contador de mitos, usa eventos míticos críticos criativa-mente e a construção de um mito é um processo altamente criativo, aquele da humanidade reflectindo sobre si própria.
De uma perspectiva de categorias Ocidentais, podíamos dizer que é nos mitos que podemos descobrir as filosofias de causalidade dos Ameríndios, a sua classificação dos elementos no universo, os seus conceitos de tempo e espaço, e a sua visão única do destino do homem. Se estes parâmetros ajudam a perceber a visão do mundo Ameríndio, no entanto é questionável. As teorias abstractas da nossa cultura acerca do ordenamento da sociedade e do universo, são tão alienígenas aos habitantes Índios do continente Americano, que podemos usá-las apenas como guia, desprendido, para entender a vida do mundo continental Americano, Pré – Colombiano.
Diniz Conefrey
Fonte: http://quartodejade.wordpress.com/2011/02/09/mitologias-amerindias