Ontem tive o prazer de conhecer quatro pescadores que trabalham na 4a. Seção da Barra em Rio Grande, ao Sul do Rio Grande do Sul, conhecida como Z1. O Edmilson ou “Piu” para os mais íntimos, seu primo Roger, Michel e Raone, são todos filhos de pescadores da colônia Z3 de Pelotas, onde residem. Aprenderam a profissão com os pais, pois desde meninos vendo e auxiliando-os adquiriram o “saber fazer” e passaram a adotar como seu trabalho e sua profissão, onde hoje retiram o sustento para a família. Roger disse que as dificuldades da vida também foram uma forma de encaixá-los nesta profissão tão digna, mas também perigosa.
Os pais por terem mais idade pescam nas proximidades da colônia Z3, saem para o oceano, mas no entanto não permanecem muitos dias e podem retornar para casa quando quiserem, diferentemente dos filhos que precisam ficar dias pescando em alto mar. Conversando com os interlocutores, pude perceber que existem relações de parentesco, afinidade e solidariedade em que Adomilli (2007) chama de “relações de aliança simbólica de parentesco”, tanto em terra quanto no mar e que estabelece uma certa harmonia principalmente quando se trata de embarcados e precisam ficar muitos dias navegando.
A partir da noção de cultura como sendo organismos sociais, cristais semióticos, micromundos, trazida pelo antropólogo americano Clifford Geertz (2001, p. 218), pude perceber que Roger trazia um barco feito a mão e este signo me remeteu a semiótica de Peirce (1997, p. 66), sendo este objeto um ícone, símbolo e ao mesmo tempo um índice de que eles poderiam ser ou ter ligações com pescadores. O barco foi feito pelo artesão Languer da Z1 de Rio Grande, intitulado “Águia”, uma réplica feita de isopor rica em detalhes, com gabine, redes, bóias e todo pintado, uma miniatura de um barco utilizado pelos pescadores desta colônia. Disseram que Languer é muito conhecido na Z1 e produz qualquer modelo, é só escolher e ele faz com todas as semelhanças.
Roger é o cozinheiro da tripulação, mas também auxilia na pesca, disse-me que vivem mais no alto mar do que em terra, pois dos treze dias pescando no oceano, apenas dois ou três ficam em casa. Esta dualidade entre viver no mar e na terra não é fácil, sem constrangimento falou que as vezes tem vontade de chorar, não disse o porque, mas estudos como de Adomilli (2007) revelam que esses homens sentem saudades de suas famílias, além do próprio desconforto de não saber o que está se passando em terra, também há os riscos de vida, todos falaram sobre uma tempestade que surpreendeu-os no Chuí, local onde pescam, próximo ao Uruguai, a forma como narraram ficou explícito o medo das forças na natureza sobre eles.
Edmilson e o Michel cuidam da conservação dos peixes, Raoni falou que no momento estão capturando o pescado numa localização em alto mar no Chuí, antes de Ermenegildo e fronteira com o Uruguai. A preocupação com os conflitos da territorialidade foi narrada dizendo “não podemos passar para o lado do Uruguai senão a bala pega”.
Apesar das dificuldades que enfrentam devido a mobilidade e desconfortos relativos ao trabalho no mar, são orgulhosos do que fazem pois aliam trabalho e reciprocidade dentro de um ambiente de amizade, incluído por vínculos de parentesco, além de carregarem consigo os saberes tradicionais de sua herança familiar.
Por: Cátia Simone da Silva
Discente Bacharelado em Antropologia /UFPel
Integrante do NETA – Núcleo de Etnologia Ameríndia/ UFPel
e NECO – Núcleo de Estudos sobre Populações Costeiras Tradicionais/FURG
Referências bibliográficas:
ADOMILLI, Gianpaolo. “Terra e Mar, do viver e do trabalhar na pesca marítima. Tempo, espaço e ambiente junto a pescadores de São José do Norte – RS”, 2007.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica: Ícone, Índice e Símbolo. São Paulo: Editora Perspectiva S. A., 1977. [p. 63-76]
GEERTZ, Clifford. O mundo em pedaços: cultura e política no fim do século. In: Nova Luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. Capítulo 11, p. 191- 228.