Histórias mal contadas
Identidade e mestiçagem, o caso do Uruguai
Por Sonia Montaño
Historicamente houve um pré-conceito em relação à idéia de “identidade nacional” em que se pensava que o Uruguai era um país de imigrantes europeus. Inclusive foi definido por Darcy Ribeiro como um “país transplantado”. Um país cuja população provinha basicamente da Espanha, Itália e Portugal e em menor grau de outros países europeus, sendo que as nações indígenas tinham sido exterminadas na década de 1830. Por outro lado, pensava-se também que o país nas suas origens se reduzia praticamente a sua capital, Montevidéu e que a população africana era mínima, já que as plantações na capital eram poucas e não tinha sido necessário um grande número de habitantes daquele continente para cuidar delas.
A concepção de identidade foi assim construída a partir da capital e do esquecimento de alguns fatos, como a entrada de africanos pela fronteira brasileira uma vez que a escravatura foi abolida no Uruguai e os guaranis que fugiram das missões, entrando pelo norte do País. Um outro fato que caiu no esquecimento é que nos extermínios eram matados os homens, enquanto as mulheres e crianças eram tomadas como cativas e distribuídas entre as famílias brancas. Além disso, tanto os espanhóis quanto os portugueses que iam povoar o campo não levavam suas mulheres, então formavam outras famílias com mulheres indígenas, dado que permaneceu ignorado por muito tempo.Inclusive, em 1925, lia-se no livro do Centenário da Independência uruguaia, publicado pelo Ministério de Instrução Pública: “O Uruguai é a única nação de América que pode fazer a afirmação categórica de que dentro de seus limites territoriais não contém um só núcleo que lembre sua população aborígine”. Durante muitos anos os uruguaios viveram e cresceram com essa crença sobre a sua identidade até que nas últimas décadas algumas pesquisas vieram questionar de raiz essa visão.
Na década de 1980, pediatras uruguaios constataram a chamada mancha mongólica, traço que revela descendência indígena e africana, em muitas crianças nascidas no Hospital de Clínicas, um hospital público de Montevidéu. O fato resultou muito estranho, já que se esperava um índice menor ao 10%, como na Espanha e na Itália. Em 1986, a bióloga e antropóloga Mónica Sans, diretora do Departamento de Antropologia Biológica da Universidade da República do Uruguai, e sua equipe fizeram um estudo em hospitais públicos e privados de Montevidéu e da cidade de Tacuarembó, no interior do país. A pesquisa constatou o traço em 41% das crianças que nasciam no Hospital de Clínicas e em 31% das que nasciam em um hospital privado de Montevídeu. Em Tacuarembó, 50% das crianças nascidas em hospital público e 36% das que nasciam em hospital privado também apresentavam a mancha. “A partir daí, tentamos explicar esse fato desde a genética, para saber de onde vinha o aporte, se era indígena ou africano”, relata a pesquisadora.
O grupo estudou os traços morfológicos, depois os traços genéticos e finalmente o DNA. Técnicas moleculares modernas permitem a separação dos aportes maternos e paternos estudando o DNA mitocondrial que se transmite de mulher a mulher e o cromossoma Y, que se transmite de homem a homem. “Fizemos um estudo com DNA mitocondrial, que marca o aporte na linha materna em todo o país, e deu um aporte aproximado de 30% de presença ameríndia. Isso significa que um de cada três uruguaios tem um ancestral materno indígena”, destaca a antropóloga.
Para Sans, as descobertas genéticas junto a outras questões culturais estão fazendo com que haja uma mudança no modo como os uruguaios olham para si próprios. “Agora é mais frequente as pessoas procurar informação sobre sua ancestralidade, querer recuperar uma identidade que estava bastante perdida”, explica a pesquisadora.
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