Por Sandra O. Monteiro – sandra.monteiro@usp.br
Cotidiano e tradições são relevantes para pesca e políticas regionais
Na Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, um desacordo entre a forma de exploração de uma comunidade de pescadores e a maneira de pensar a exploração de alguns pesquisadores das ciências naturais impede que políticas públicas para a região sejam efetivas. Isso estimula movimentos socias de desobediência civil contrários a normas estatais firmadas apenas em conceitos “científicos”.
A comunidade em questão está localizada na Ilha dos Marinheiros, segundo distrito da cidade de Rio Grande (RS), na Lagoa dos Patos. O local foi base de um estudo etnográfico desenvolvido pelo oceanógrafo Gustavo Moura, desenvolvido durante seu mestrado no Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental (Procam) da USP. Segundo o pesquisador, as comunidades locais denominam “nosso mar” o pedaço da Lagoa dos Patos em que cada grupo vive e desenvolve sua pesca. “Tal desentendimento impede que políticas públicas para a região sejam efetivas e atuem realmente na conservação dos recursos naturais ou na expansão das liberdades de quem vive da pesca na região”, observa Moura.
A pesquisa foi realizada por meio da vivência (observação de fenômenos naturais e sociais) e de entrevistas com os moradores locais. Para o pesquisador, a ciência por meio de suas metodologias e cálculos não consegue respostas para todos os fatos ou para dar a efetiva precisão a dados sobre fenômenos naturais. E as respostas que a ciência oferece é apenas uma das formas culturais de ver o mundo. A oceanografia clássica, por exemplo, preocupa-se em preservar o ambiente dentro de uma perspectiva exclusiva de análise técnica de um suposto comportamento matemático da natureza. Esquece, no entanto, que nem tudo é exato e exclui, da sua busca por respostas, o diálogo com as ciências humanas e as culturas tradicionais por considerá-las imprecisas. À respeito disto, Moura diz que a ciência oceanográfica não deve ser desconsiderada, mas experiências e valores humanos também são relevantes no estudo de fenômenos naturais e na formulação de políticas públicas.
Oceanografia Humana e Políticas Públicas
A etnoocenagrafia, uma das linhas de pesquisa da Oceanografia Humana, considera as tradições e observações sobre a natureza, que passam de pai para filho, que levam em conta o tempo cíclico da natureza (o vento, a lua e as chuvas, por exemplo). Além disso também observam a forma como cada comunidade interage com o “seu próprio mar” a partir de situações de comércio e em datas religiosas como a Páscoa “em que muitos pescadores não trabalham”, relata o pesquisador.
Oceanografia e antropologia favorecem conservação de recursos pesqueiros
Uma das questões polêmicas relaciona-se à melhor época para se pescar uma determinada espécie. Tem a ver com o tamanho do camarão-rosa, por exemplo. Nem sempre a melhor época para se pescar é de 01 de fevereiro a 31 de maio, como determina a lei de defesa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama). “Pois a natureza vista pelos pescadores tem uma lógica diferente da lógica científica. Uma espécie atinge o tamanho considerado bom pelos pescadores, frequentemente, numa data diversa da prevista em lei em quase todos os anos, antes ou depois de primeiro de fevereiro”, reflete o Moura.
A troca de informações diárias entre os próprios pescadores é outra situação que alguns pesquisadores e agentes de fiscalização locais não entendem e discriminam pela fato de ocorrerem em festas e bares. Estas trocas de informação tem relação, por exemplo, com a construção das decisões de quando, como e onde pescar dentro do território tradicional de pesca e com um conjunto de relações sociais instituídas pela posse informal de “pedaços de mar”.
Segundo Moura, quando regras tradicionais de uso dos recursos naturais são incorporadas nas políticas públicas, elas podem trazer menores prejuízos ambientais do que se baseadas em pura lógica científica. “Além disso, pode trazer mais liberdade para os pescadores trabalharem, em vez da castração de liberdades como ocorre com a política atual.”
A dissertação Águas da Coréia: pescadores, espaço e tempo na construção de um território de pesca na Lagoa dos Patos (RS) numa perspectiva etnooceanográfica foi orientada pelo professor Antonio Carlos Sant’Ana Diegues. O estudo será publicado na forma de livro pela editora NUPEEA, em 2012. “Águas da Coréia…” será o primeiro livro de etnooceanografia já publicado dentro e fora do Brasil, e uma das poucas publicações disponíveis na área de Oceanografia Humana.
Com informações da Agência Universitária de Notícias (AUN)
Fotos cedidas pelo pesquisador
Mais informações e-mail: gugoreira@gmail.com
Fonte: http://www.usp.br/agen/?p=76546