(Diário de campo)
Por Cátia Simone da Silva
Foto: Cátia Simone
No dia 11 de agosto de 2011, as estudantes dos Cursos de Antropologia UFPel e Arqueologia da FURG, integrantes do NECO – Núcleo de Estudos sobre Populações Costeiras Tradicionais, eu Cátia, Angelita, Thamara e Roberta fomos a campo na Colônia de Pescadores de Pelotas – Z3.
Quando chegamos na Colônia, avistamos muitos pescadores em suas casas e nos galpões consertando suas redes. Na orla da praia estavam pintando os seus barcos e consertando os motores, é o período do seguro-defeso; uma assistência financeira temporária concedida ao pescador profissional que exerça sua atividade
de forma artesanal, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de parceiros, onde impossibilitados de pescar faziam manutenção nos seus equipamentos e utensílios de trabalho.
Foto: Cátia Simone
Na foto acima está o Sr. Lorival Bil Valério, descendente de alemães, disse “comecei a pescar desde que me conheço por gente, porque tinha pouco estudo.”
Ao descermos do carro, os mais jovens ficaram longe só nos olhando, rindo e conversando entre eles, quando abordamos o Sr. José Basgalupe, descendente de italiano e um dos entrevistados do dia, alguns pescadores mais velhos aproximaram-se curiosos para saber o que estávamos perguntando e conversando.
Neste dia além dos seus afazeres, também estavam preocupados e solidários em achar o corpo de um rapaz de 18 anos que estava desaparecido, o mesmo foi passear e após uma festa ele desapareceu. De acordo com testemunhas, o jovem teria se envolvido em uma briga antes de desaparecer. Aqui temos a percepção de
que nas comunidades sejam elas rurais ou urbanas localizadas nos bairros das cidades, existe um elo de ligação, onde todos se conhecem e geralmente pelos apelidos, há representação de harmonia, solidariedade e reciprocidade, mas também existem os conflitos.
O sr. José, foto abaixo, mais conhecido como “Zezinho”, nasceu em São Lourenço do Sul, veio com os pais para a Ilha da Feitoria onde morou até a 4a. série primária, depois mudaram-se e com 28 anos veio morar na Z3. Acredita que um dos motivos da desabitação da Ilha seja o problema do colégio, pois as professoras não quiseram mais dar aula lá.
Foto: Cátia Simone
Hoje com 65 anos ele está aposentado, contou que pesca há mais de 40, ele começou a atividade com 12 anos de idade, adquiriu os saberes tradicionais ajudando o seu pai. Não recebe o seguro-defeso e acha que é justo pois já tem o salário aposentadoria, no entanto diz que o período do defeso deveria aumentar, pois no ano passado passou de quatro meses para seis, também acha que o seguro é importante para as mulheres, no seu caso a sua esposa e filha são pescadoras e o seguro auxilia neste período onde os órgãos governamentais impedem eles de exercerem suas atividades.
Agora escrevendo esta matéria, descobri que o seguro-defeso a partir do mês de julho foi suspenso para as mulheres, são 500 só na Colônia Z3 que ficaram sem receber, o Ministério do Trabalho alega que as mesmas precisam ter a licença ambiental para beneficiarem-se, o que antes bastava apenas um homem da família ter. Hoje dia 23/08/2011 conversando com Rodrigo Estevão, um amigo, filho de pescador e morador da comunidade estudada, disse-me que elas ainda não receberam e não irão receber mais porque esta licença só é liberada para os homens, podemos perceber a explícita relação de gênero com desigualdade e discriminação às mulheres por parte dos órgãos governamentais.
O sr. Zezinho já trabalhou com padaria, comércio na Barra de Rio Grande, supermercado, como embarcado na Ilha da Feitoria e após, devido a territorialidade com a água e os saberes fazer, fizeram-no retornar para a profissão da pesca. Quando indagado sobre como sabe onde o peixe está, disse-me que a tainha pula e faz um movimento de zig-zag na água, o camarão também tem suas peculiaridades para ser capturado. Aqui podemos verificar o saber empírico adquirido que o antropólogo Levy-Strauss fala em “O pensamento selvagem”, no capítulo “Ciência do Concreto” em que o saber tradicional está muito próximo da intuição sensível (1989, Pág. 31) e Manuela Carneiro da Cunha em “Cultura com Aspas”, no capítulo “Relações e dissensões entre saberes tradicionais e saber científico”, onde os saberes tradicionais são passados através da oralidade, e para esse conhecimento são utilizadas as percepções (CUNHA, 2009: pág. 303).
Zezinho diz que tudo que sabe não aprendeu na escola, ele não tem estudo, mas no entanto conhece a lagoa e o clima. O seu barco não tem motor, nem sonda, pois essa ele não sabe usar, porém tem o auxílio de um ou dois proeiros.
Outro pescador entrevistado foi o Sr. Luiz, o qual falou que quando o defeso é liberado, a água salgada já foi embora, e os peixes também, ou quando conseguem pescar, observam que as fêmeas estão cheias de ovas. Aqui podemos perceber na narrativa, a discordância dos saberes científicos dos órgãos de fiscalização ambiental com os saberes tradicionais dos pescadores artesanais. Onde Manuela Carneiro da Cunha, relata que na Convenção da Diversidade Biológica, no seu artigo 8j, reza que cada parte contratante deve, na medida do possível e ” em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição equitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas” (CUNHA, 2009: pág. 307).
Isso não está ocorrendo na Colônia Z3, onde os órgãos governamentais e ambientais não estão ouvindo nem levando em consideração os saberes tradicionais dos mestres da pesca artesanal local. Segundo Manuela (2009, pág. 301), os saberes tradicionais são locais, diferentes dos científicos que são universais e “que se
não soubermos construir novas instituições e relações equitativas com as populações tradicionais e seus saberes, estaremos desprezando uma oportunidade única” (2009, pág. 310).
Os conflitos de territorialidade também ficaram evidentes, pois Luiz nos explicou que não podem pescar na Lagoa Mirim, nem na Mangueira, porém os pescadores de São José do Norte pescam aqui e os daqui vão para lá.
A impressão que tive deles e principalmente dos que nos deram as entrevistas é de solidariedade, gentileza, e de estarem contentes por estarmos ali conversando com eles.
Referências bibliográficas:
www3.mte.gov.br/seg_desemp/modalidades_artesanal.asp, acessado em 23 de agosto de 2011
CUNHA, Manuela Carneiro da. Cultura com aspas. “Relações e dissensões entre saberes tradicionais e saber científico”: COSAC NAIFY, 2009.
Lévi-Strauss, Claude. O Pensamento selvagem. “A Ciência do Concreto”, Campinas, SP: Papirus, 1989.
Maravilhoso!!!!
Uma experiencia incrivel Cátia… muito bom….
Fiquei com vontade de ir junto e ajudar….
Vanderlise que bom que você gostou, quem sabe um dia vamos fazer campo juntas. Você tem mais experiência e com certeza pode ajudar muito. Abraço, Cátia.