Por: Cátia Simone da Silva
Discente Bacharelado de Antropologia/UFPel
O presente artigo foi desenvolvido para avaliação da disciplina de Antropologia Britânica do curso de Antropologia da Universidade Federal de Pelotas, ministrado pela Prfa. Dra. Renata Menasche.
Adam Kuper (1978, pág. 128), explica que na década de 1930 a política colonial britânica na África começou a mudar, foi decidido desenvolver as colônias econômicas e administrativamente, e as mudanças tiveram efeito nos antropólogos, os quais receberam incentivos financeiros para desenvolver pesquisas nesse continente.
A Antropologia britânica começou a desenvolver-se a partir das bolsas financiadas aos antropólogos pelo instituto International of African Language oud Cultures, que foi fundado em 1926 com o apóio de antropólogos, missionários, funcionários coloniais; tais incentivos fizeram do instituto uma verdadeira força para a Antropologia britânica durante a década de 1930.
Houve um enorme desenvolvimento intelectual devido as verbas para às pesquisas, publicações de monografias e simpósios resultados dos trabalhos de campo, fazendo do Instituto a mais importante editora antropológica do mundo.
A sociedade africana estava coesa com a chegada da civilização européia e o maior problema que a administração colonial percebeu foi que a cultura do lugar poderia se perder, e então o Instituto declarou que as pesquisas deveriam ser dirigidas para o entendimento dos fatores de coesão social, como esses fatores estavam sendo afetados pelas novas influências, quais as formas de cooperação entre as sociedades africanas e a civilização ocidental (KUPER. 1978, pág. 128).
Os fundos destinados à pesquisa eram para todas as colônias, as maiores parcelas foram destinadas às pesquisas nas áreas da agricultura, veterinária e sivicultura (35%), as pesquisas médicas (16%) e as pesquisas sociais e econômicas receberam apenas (9%). Logo após a 2ª. Guerra foi fundado o Colonial Social Science Research Council (C.S.S.R.C.), e os antropólogos constituiam o principal grupo de cientistas sociais trabalhando em campo africano e assim fundos de incentivos foram colocados, havendo uma expansão da Antropologia britânica nessa época.
Entre os vários antropólogos britânicos que estavam trabalhando nas colônias africanas temos Victor Turner, filho de um engenheiro e uma atriz, nasceu em 1920 na Escócia e, faleceu no dia 19 de dezembro de 1983, aos 63 anos de um ataque cardíaco nos Estados Unidos e é de sua “Vida e obra” que será tratado nesse artigo.
Victor Turner casou-se em 1943 com Edith Davis, e em 1949 gradua-se em Antropologia na U.L. tendo estudado com Leach, Radcliffe-Brow, Forde e Firth. Possuia interesse em estudar o movimento hippie, as peregrinações, os heróis nacionais, os franciscanos, o mundo religioso e o seu profundo interesse pelo caminho da santificação, analisados através dos ritos e dos símbolos.
Como escocês Victor Turner, enfrentou obstáculos para conseguir visto de trabalho quando aceitou a oferta da Universidade de Cornell, transferindo-se de Manchester na Inglaterra para Ithaca, no Estado de Nova York – Estados Unidos.
Entre os anos de 1951 até 1954, Turner fez pesquisa de campo junto ao povo Ndembu, localizados no noroeste da Zâmbia, no centro sul da África observando o sistema ritual desse povo juntou seus ensaios na Floresta de Símbolos, através dos quais delineou um novo modo de lidar com os rituais e com os símbolos.
Após seus estudos com o povo Ndembu, Turner retorna para os Estados Unidos e nos anos 60 do século passado, o autor viveu os períodos mais significativos para a sociedade e a cultura americana, foi uma década histórica para os americanos, no entanto Victor não residiu toda a década naquele país, mas intercalou, entre uma vida dura de pesquisas etnológicas e ensino universitário, e viagens rotineiras entre o Rio e Niterói e jornadas que levaram-no ao sertão paraense e goiano do médio rio Tocantins, para visitar as aldeias dos índios Gaviões e Apinayé e, a partir de agosto de 1963 ao riquíssimo ambiente material e intelectual do então Departamento de Relações Sociais da Universidade de Harvard em Cambridge, Massachusetts, nos Estados Unidos.
Nos períodos entre 1964 e 1967, suportou o endurecimento do clima político nacional brasileiro, vivendo em aldeias indígenas isoladas, quase como um renunciante do mundo, após voltou a Harvard como candidato a doutorado em 1967, e ali viveu ininteruptamente até 1970. Nesta instituição obteve seu doutoramento em antropologia na década de 1973.
Em 1969 o autor publica The Ritual Process: structure and anti-structure, onde desenvolveu as noções de liminaridade e communitas a última sendo baseada na liminaridade de Van Gennep, pois como explica Turner (2005, pág. 137), o “período liminar” que Arnold Gennep caracterizou como ritos de passagem, definidos como “ritos que acompanham qualquer mudança de lugar, estado, posição social ou idade”. Gennep mostrou que todos os ritos de transição vêm marcados por três fases: separação, margem (ou limen) e agregação.
Das três fases a separação compreende o afastamento do indivíduo ou do grupo de um ponto fixo na estrutura social ou de um estado. Na margem ou limiar é o estado (passageiro) ambíguo que tem poucos atributos do estado passado ou futuro. Já a agregação é a passagem consumada.
Turner completa dizendo que se o modelo da nossa sociedade é de uma “estrutura de posições”, devemos encarar o período de margem ou “liminaridade” como uma situação interestrutural.
Comenta ainda que os ritos de passagem existem em todas as sociedades e tais ritos designam transições entre estados, um “estado” é “uma condição relativamente fixa ou estável”. O termo “estado” também pode aplicar-se, as condições ecológicas, ou a condição física, mental ou emocional em que uma pessoa ou grupo se encontra num determinado momento.
Supondo-se falar também “estado de transição”, onde remete a um estado de abertura e ambiguidade, é uma fase intermediária que difere da fase anterior e também da posterior, ao mesmo tempo que identifica-se parcialmente com ambas, a liminaridade favorece o modo de relação social que Turner denomina communitas, que é uma manifestação da anti-estrutura, pois contrapõe ao modo de relacionar-se estruturado e hierárquico de uma sociedade. Para Da Matta, communitas é um “estado social no qual as pessoas podiam dissolver seus papéis oficiais para gozarem de uma trégua da realidade e da seriedade mortal da vida.”, (2005, pág. 18).
Também em 1969, Da Matta conhece Victor Turner e através de alguns encontros poderam solidificar o elo de amor pela antropologia dos símbolos e no caso de Da Matta dos rituais nacionais. De fevereiro a março de 1979, Victor e sua esposa Edie visitaram o Brasil, quando foram hóspedes de Da Matta, além de inúmeros encontros formais e informais que já haviam ocorrido em Ithaca, Nova York e Rio de Janeiro entre outros, incentivaram a amizade dos dois.
Da Matta, diz que tanto Douglas, quanto Turner possuem um fascínio pelo sagrado e como católicos dividem junto com outros intelectuais esse fascínio pelo poder das encruzilhadas, dos valores em conflito onde, “as florestas de símbolos, as mitologias e os carnavais nos ajudam na travessia” (2005, pág. 28).
Turner foi criador de uma antropologia do drama e do ritual, o qual propunha um programa de análise no qual a vida ritual deveria ser vista como um mecanismo privilegiado de valores negativos e ou reprimidos que eles trazem a tona, através de objetos especiais e gestos bizarro, um conjunto de “símbolos” interligados, verdadeiros caminhos ou sendas, que vistos em conjunto parecia uma floresta cuja exploração transformava.
Victor foi um estudioso obcecado pelas formas rituais, por aquilo que a sociedade se via obrigada a produzir, como testemunhamos nos nossos desfiles carnavalescos, fica sempre aquém ou além dos entrechos, valores e personagens a serem dramatizados.
Outro elemento importante é a noção de que os símbolos fazem coisas, e com isso transformam situações, estados e pessoas. Turner, foi obrigado a descobrir o papel dos símbolos, quando foi estudar os conflitos endêmicos da sociedade Ndembu, sem dispensar a questão de um centro pelo qual passavam os atos rituais.
Para Turner o “símbolo é a unidade última de estrutura específica em um contexto ritual.” (2005, pág. 49). Sendo encarado pelo consenso geral como tipificando, representando ou lembrando algo através de qualidades análogas ou por pensamentos. Os símbolos que o autor observava em campo eram, empiricamente, objetos, atividades, relações, eventos, festas e unidades espaciais em uma situação ritual e os símbolos não compreendidos não tinham lugar na pesquisa, pois eles precisam indicar algo para os atores, caso não indique, tornam-se irrelevantes. (TURNER. 2005, pág. 56)
Os seus trabalhos são fortemente influenciado pelo estrutural-funcionalismo britânico do período, mas aparecem neles uma forte tendência a uma ruptura da perspectiva estrutural passando a uma abordagem simbólico-interpretativa nas sociedades por ele estudadas. Sendo esta a sua contribuição para a Antropologia, onde os símbolos são uma forma de interpretação cultural de uma sociedade.
Tuner explica que cada ritual tem sua própria teologia, tem seus objetivos explicitamente formulados, e os símbolos instrumentais podem ser encarados como meio de atingir esses propósitos (2005, pág. 63).
Os ritos de passagem acompanham as crises de vida culturalmente definidas, seja num grupo preparando-se para a guerra, como para festejar por uma passagem de escassez ou de colheita. E os ritos não só dizem respeito de mudança de status, mas também dizem da entrada num status recém-alcançado. Onde o sujeito submetido ao ritual de passagem fica, no decorrer do período liminar, estruturalmente, ou mesmo “invisível”.
Alguns tipos de rituais o que por exemplo o autor chama de uma crise de vida, é um ponto importante no desenvolvimento físico ou social do indivíduo, como o nascimento, a puberdade ou a morte. Nas sociedades mais simples do mundo, também em muitas “civilizadas” existe uma série de cerimônias ou rituais destinados a marcar a transição de uma fase da vida ou do status social para outra.
Estas cerimônias de crises de vida não dizem respeito apenas ao indivíduo, mas também marcam mudanças nas relações de todas as pessoas ligadas a ele por laços de sangue, casamento, dinheiro, controle político e outras.
“Qualquer que seja a sociedade na qual vivemos, estamos ligados uns aos outros, e nossos “grandes momentos” são “grandes momentos” para os outros também” (TURNER. 2005, pág. 29).
O autor deu dois exemplos de cerimônias: a cerimônia de nascimento, tanto os meninos quanto as meninas passam por cerimônias de iniciação, a forma e o propósito das cerimônias diferem enormemente em cada caso.
E a cerimônia funerária, onde o autor percebeu que a quantidade de “pompa e circunstância” de um funeral depende da riqueza e importância do morto, neste momento, um novo padrão de relações sociais deve ser estabelecido: onde alguém deve ser responsável por suas dívidas, o destino da viúva e dos herdeiros…
Nos rituais de aflição, tema principal da vida religiosa Ndembu, onde associaram má sorte na caça, problemas reprodutivos femininos e várias formas de doença aos espíritos dos mortos. Inclusive quando é diagnosticado que uma pessoa foi “apanhado” por tal espírito, se tornará objeto de um elaborado ritual.
Os cultos de caça, à caça é uma atribuição masculina e por isso a conexão com a iniciação dos meninos durante a qual, valores básicos da sociedade Ndembu são ensinados, através de graus sucessivos de iniciação no culto das sombras de caçadores, permitindo ao caçador “ver rapidamentee os animais”, “atraí-los para onde ele está” e “se tornar invisível para eles” (TURNER. 2005, Pág. 41).
E os cultos de fertilidade das mulheres, o autor cita que foi a muitos rituais ligados a problemas reprodutivos das mulheres e ouviu falar sobre muitos mais. É possível que a predominância atual de tais problemas esteja associada, por um lado, à escassez e baixos valores protéico de alguns alimentos.
Já nos cultos curativos, os africanos curandeiros imitam os europeus dançando em casais, usando roupas européias, e servindo comida européia aos pacientes.
Referências bibliográficas:
DA MATTA, Roberto. Apresentação liminar à obra e à graça de Victor Turner e à sua Antropologia da Ambiguidade. In: TURNER, Victor. Floresta de símbolos: aspectos do ritual Ndembu. Niterói: Ed. UFF, 2005.
KUPER, Adam. Antropologia e colonialismo. In: Antropólogos e Antropologia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.
TURNER, Victor. Introdução. In: Floresta de símbolos: aspectos do ritual Ndembu. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense. 2005. p. 29 – 46.
TURNER, Victor. Os símbolos no ritual Ndembu. In: Floresta de símbolos. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense. 2005. p. 49 – 82.
TURNER, Victor. Aspectos do ritual Ndembu. In: Floresta de símbolos. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense. 2005. p. 137 – 158.