Virei índia na aldeia – Causos e Histórias dos servidores do IBAMA

Por Carla Maria Casara – Ibama/Sede

Fui convidada para dar uma palestra sobre Relações Interpessoais, o chefe gostou e disse que eu trabalharia na área de Recursos Humanos. Esse foi meu início no Ibama, na fiscalização. Comecei com cursos volantes. Saíamos eu, dois agentes e a procuradora em uma caminhonete por todo o Brasil. Ficávamos dois dias em cada escritório. Houve dias em que não encontrávamos hotéis e dormíamos no carro. Em outros dias, havia o que chamavam de hotéis, e era melhor dormirmos no carro.

Ao longo do tempo, além de treinar os fiscais, eu também capacitava agentes ambientais voluntários. Um dos treinamentos aconteceu na Reserva Indígena do Xingu, para os chefes indígenas de todas as tribos da reserva. Foram apenas 12 dias, mas o que vivi modificou completamente minha vida.

Os hábitos culturais são muito diferentes, mas tentávamos nos adaptar aos costumes locais. Havíamos levado nossa comida, que acabou rapidamente, pois os índios sempre a pegavam em troca de algo. Então, comíamos junto com eles. Peixe assado, legumes, tapioca e o que mais nos fosse servido. Tinha também água de arroz. Colocavam na cuia com a mão suja, nos davam e bebíamos. Quanto ao banho, era no rio.

Era no rio para os meus companheiros de trabalho. No primeiro dia, vesti um biquiní e fui para a água. Para minha surpresa e espanto, quando me dei conta, estavam todos os índios da aldeia em volta do rio me vendo tomar banho. Quase morri de vergonha. A partir daí, não voltei mais ao rio. Esquentava a água, entrava em um cubículo e tomava banho de caneca. Bem, não sei se poderia chamar de banho, mas era o que de melhor eu conseguia para manter ainda um pouco de minha intimidade.

Durante esses dias, recebi pedido de casamento de cacique, que já era casado com duas irmãs, e me ofereceu maloca, apartamento na cidade e carro. Não foi difícil resistir à oferta.

Nessas duas semanas em que ensinava para eles a preservação ambiental, além do céu estrelado e dos sons da natureza, o que mais me marcou foi a tradicional Festa das Mulheres, onde não entrava homem, à exceção do cacique, do pajé e de algum convidado do chefe da aldeia.

A festa começa no final da tarde e segue até à noite. Dentro da maloca fechada, apenas a luz de uma fogueira. Durante a festa, elas cantavam, dançavam e gritavam. É o poder e o momento do feminino na floresta. Elas comandavam todo o ritual. Aprendi os passos e entrei no ritmo. Dançávamos abraçadas e eu fazia os mesmos gestos e sons. Estava usando os mesmos colares e a mesma pintura. Cabelos soltos. Me senti poderosa. Parecia em transe.

Quem tentava invadir aquele momento sagrado, elas pegavam, jogavam no chão ou contra a parede e batiam. Em determinado momento, um jornalista tentou entrar no recinto. Quando o intruso tentou fugir, corri atrás e ajudei a bater. Eu tinha o apoio delas. Naquele momento eu não era apenas uma branquela em terra estranha. Eu era índia.

Aprendi o que é união. E a defender o nosso espaço.

Ao término do curso, pegamos um avião da Funai. Durante o voo, houve uma tempestade e o avião fez um pouso de emergência num campo de futebol. Contrariando minha própria expectativa, fiquei tranquila. Cheguei em casa com a roupa do corpo e colares que os índios haviam trocado por outras peças de roupa e até pela mala. No meu retorno, tive dificuldade em voltar a dormir na cama.

Sentir o poder ancestral do feminino num rito sagrado fez despertar em mim uma força que até então eu desconhecia. A partir de então essa força tem me guiado em muitos momentos de minha vida.

Fonte:
Acontecido! / Ibama. Brasília, 2009.

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